Informações: NSC
Fotos: Relatório final da Comissão Estadual da Verdade
Santa Catarina teve dez presos políticos mortos no período do regime militar brasileiro. Sete foram assassinados e três permanecem desaparecidos até hoje, sem informações sobre o que ocorreu com após a prisão pelos órgãos de segurança. No total, ao menos 697 foram presos durante o regime. O levantamento dos casos foi feito na Comissão Estadual da Verdade e é detalhado no relatório final do grupo, de 2014.
O primeiro prefeito eleito de Balneário Camboriú, Higino João Pio, é um dos casos mais conhecidos de SC. Ele foi o único morto no território catarinense. Já outras seis vítimas também foram mortas fora do Estado após serem detidas pela ditadura militar.
Uma delas é outro personagem com participação na política de SC. O ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright é um dos desaparecidos. Filho de um missionário norte-americano, ele tinha dupla nacionalidade e estudou Sociologia em uma universidade dos Estados Unidos na juventude. Durante as férias, trabalhou na construção civil para entender as condições de trabalho dos operários. De volta ao Brasil, trabalhou como torneiro mecânico e estimulou a veia de liderança ao atuar na defesa de direitos de operários metalúrgicos.
Começou uma vida pública com apenas 27 anos. Concorreu à prefeitura de Joaçaba pelo PTB e perdeu a disputa por oito votos. Em 1962, foi eleito deputado estadual, mas teve o mandato cassado dois anos depois pelos próprios deputados, sob argumento de quebra de decoro, atendendo a pressão de militares. "Naquela época, falar em cooperativa era quase sentença de morte, porque é um trabalho essencialmente de divisão de renda, cuidar dos pobres. Isso chamou muito a atenção da própria sociedade catarinense", conta o filho.
Após a cassação, a esposa de Paulo se mudou com os dois filhos para uma pequena cidade perto de Curitiba (PR), para se proteger de perseguições. Já Paulo Wright iniciou uma jornada. Exilou-se no México e viajou para países como Cuba e China.
Após três anos, retornou na clandestinidade para o Brasil. A partir desse período, fazia visitas rápidas e esporádicas aos filhos. "Socialmente era complicado, todo mundo queria saber o que estava acontecendo, mas a gente acabou aprendendo a conviver com as aparições rápidas dele. Ele vinha de vez em quando em casa, lembro de ter três ou quatro conversas com ele, de um encontro com companheiros de luta dele debaixo de uma árvore. Eu convivia com essa figura rápida, que vinha e saía", lembra João Paulo.
Segundo o relato da família e o relatório final da Comissão da Verdade, Paulo Stuart Wright teria sido preso em uma estação de trem e metrô em São Paulo, em 1973. Na ocasião, vários militantes foram detidos. Depois disso, Paulo nunca mais foi visto e o corpo nunca foi localizado. O governo não confirmou a prisão e não deu detalhes à família.
"Aí vem esse sofrimento do desaparecimento, que é uma coisa interminável. Sempre fica a sensação de que pode estar vivo. É um sofrimento eterno, uma coisa que não acaba. A figura pública do pai também é uma dor grande, porque era alguém que teria contribuído para uma sociedade melhor", lamenta João Paulo.
A mulher e a filha de Paulo Stuart Wright já morreram, e Paulo é o único filho vivo. O irmão de Paulo, reverendo Jaime Wright, mobilizou contatos como o religioso Dom Paulo Evaristo Arns em busca de respostas sobre o que aconteceu com o ex-deputado catarinense, mas sem sucesso. Ele deu nome à Comissão Estadual da Verdade e também batiza o plenarinho da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Ainda Estou Aqui
O filho de Paulo Stuart Wright reconhece no filme Ainda Estou Aqui algumas virtudes importantes, como a valorização do papel feminino, representado pela luta de Eunice Paiva de manter os filhos unidos após o drama familiar. No entanto, teme que o assunto das vítimas da ditadura possa voltar a um esquecimento tão logo passe a empolgação com o filme. "A sensação é de que vai passar o Oscar e vamos cair na mesma luta de novo. Infelizmente, não podemos baixar a guarda", conta o filho.
O advogado Anselmo Machado, que coordenou os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade em SC, afirma que o filme traz à tona a história dos catarinenses presos e até mortos durante o regime militar, mas também cumpre papel importante ao falar de um tema que permanece atual.
"O que me chama a atenção é todo o drama, das pessoas que não puderam enterrar seus mortos, isso é algo que choca muito. Mas a questão da tortura é algo muito presente. A tortura não acabou. Isso é muitas vezes método das polícias nos estados", argumenta o advogado, citando casos como o assassinato de Genivaldo de Jesus, morto por asfixia em uma prática chamada de “câmara de gás” dentro de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Sergipe, em 2022.
Ele lembra que um dos encaminhamentos da Comissão da Verdade era a abordagem do assunto em escolas. "Isso é importante para que as crianças, as futuras gerações entendam esse lado difícil da história, que não pode se repetir", alerta.
Assassinados
- Arno Preis, de Forquilhinha, advogado, assassinado em Tocantins;
- Frederico Eduardo Mayr, de Timbó, universitário, assassinado em SP;
- Hamilton Fernando Cunha, de Florianópolis, gráfico, assassinado em SP;
- Higino João Pio, de Itapema, prefeito, assassinado em Florianópolis, SC;
- Luiz Eurico Tejeda Lisboa, de Porto União, estudante, assassinado em SP;
- Rui Osvaldo Pfutzenreuter, de Orleans, jornalista, assassinado em SP;
- Wânio José de Mattos, de Piratuba, Capitão da Polícia Militar, morto no Chile.
Desaparecidos
- Divo Fernandes d’Oliveira, marinheiro, de Tubarão, desaparecido no RJ;
- João Batista Rita, universitário, de Criciúma, desaparecido no RJ;
- Paulo Stuart Wright, deputado, de Herval do Oeste, desaparecido em SP